Vygotsky distingue duas
funções da linguagem: a de intercâmbio
social, na qual o impulso criado pela necessidade de comunicação faz com
que o homem crie e utilize sistemas de linguagem. Inicialmente, o bebê se
manifesta apenas para demonstrar estados gerais como desconforto ou prazer,
mas, à medida que o indivíduo cresce, a comunicação se torna mais sofisticada e
são utilizados signos aprendidos e compartilhados com o grupo social do qual
faz parte. Essa tradução da complexidade da experiência humana em signos gera a
segunda função da linguagem, denominada por Vygotsky como pensamento generalizante, que é a simplificação/generalização da
experiência individual para a sua tradução em signos compartilhados pelo grupo
social ao qual pertence o indivíduo.
Nesse processo, o real é
ordenado e classificado de acordo com os grupos de ocorrências que se
assemelham e que são agrupados sob uma mesma categoria conceitual. O trabalho,
como atividade coletiva de ação sobre a natureza, implica planejamento e faz
com que os indivíduos, para se organizarem coletivamente, criem um sistema de
comunicação que permita a troca de informações específicas e a partilha de
significados comuns ao projeto coletivo.
O significado, segundo
Vygotsky, é um fenômeno que pertence à palavra, pois é seu constituinte, e
também ao pensamento humano, compondo cada palavra uma generalização ou um
conceito. É construído ao longo da história e com base nas relações dos homens
com o mundo físico e social e, por isso, está em constante transformação. Os
significados não são estáticos porque acompanham, além do desenvolvimento da
língua, sofrendo modificações e ajustes por parte do grupo social, o
desenvolvimento humano em sua aquisição. Então, conhecimento linguístico e
conhecimento sobre o mundo crescem a partir da experiência pessoal de cada indivíduo.
Porém, os significados
continuam sendo transformados durante todo o desenvolvimento dos seres humanos
e ganham diferentes formas na educação formal do indivíduo. No processo
escolar, o educador interfere diretamente na formação de conceitos e na
transformação dos significados a partir de definições e referências mediadas
pelo conhecimento já consolidado na cultura.
Há um outro aspecto do
significado na cultura, que Vygotsky divide em dois componentes: o significado propriamente dito, que se
refere às relações objetivas formadas no processo de desenvolvimento da palavra
e que consiste em seu núcleo básico de compreensão, compartilhado por todas as
pessoas que o utilizam; e o sentido, que se refere ao significado para cada indivíduo, relacionado ao contexto em que
está inserido no uso da palavra e de suas vivências afetivas. Isto é, o sentido
da palavra constitui-se a partir da combinação de seu significado objetivo com
o contexto de uso e os motivos afetivos e pessoais de seus usuários.
Vygotsky considera assim,
que o processo de desenvolvimento de pensamento e linguagem ocorre de maneira
análoga ao das outras funções psicológicas. Como o movimento é sempre da
atividade social para a individualizada, a criança, ao utilizar primeiramente a
fala socializada, visando a comunicação, passa a ser capaz de utilizar a
linguagem como instrumento de pensamento, e desenvolve o que Vygotsky chama de discurso interior, que é uma forma
interna de linguagem dirigida ao próprio sujeito.
No entanto, ocorre um fenômeno
que media a relação entre discurso socializado e interior, denominado fala egocêntrica, que é caracterizado
pela presença de monólogos que a criança cria na ausência de um interlocutor. A
fala egocêntrica tem, inicialmente, uma função pessoal ligada às necessidades
do pensamento, como auxílio no planejamento de sequências a serem seguidas e na
solução de problemas. Depois disso, a linguagem passa a ser utilizada como
instrumento interno de pensamento, num processo gradual que a leva ao
desenvolvimento do discurso interior, mas permanecendo ainda na fala
socializada, externa. Vygotsky
discute ainda, o papel de sua concepção de significado da palavra na
comunicação humana e a função da inter-relação intelecto–afeto. Segundo ele, a
separação desses dois aspectos como objetos de estudo, constitui uma das
principais deficiências da psicologia tradicional, já que com isso, o processo
de pensamento apareceria como um fluxo autônomo, segregado dos fatores afetivos
como as necessidades e interesses, inclinações e impulsos, e analisa essa
inter-relação como unidade.
Haveria,
segundo Vygotsky, a evidência de uma fase pré-verbal de pensamento na infância,
e de estágios no desenvolvimento da fala independentes do pensamento cujas
manifestações seriam o balbucio, o choro e as primeiras palavras. Em um
determinado momento, em torno dos dois anos de idade, as curvas de
desenvolvimento do pensamento e da fala, até então separadas, se encontram para
iniciar uma nova forma de comportamento.
Esse instante, em que a fala
começa a servir ao intelecto, e os pensamentos começam a ser falados, é
sinalizado por dois fenômenos: a curiosidade súbita e ativa da criança sobre as
palavras e o aumento rápido em seu vocabulário. A criança parece, então, ter
descoberto a função simbólica das palavras. Esse processo se dá de forma
gradual, e a criança aprende a estrutura objeto-palavra antes da estrutura
simbólica interna.
Vygotsky analisa então, a
evolução do significado, ou seja, o processo pelo qual o pensamento chega a ter
existência por meio de palavras, e distingue dois planos na fala: um interno
(significativo, semântico) e um externo (fonético). Ambos formam uma unidade
complexa e não-homogênea, com movimentos independentes. No aspecto fonético, o
caminho procede da parte para o todo, começando por uma palavra, passando
posteriormente a combinações cada vez mais amplas. No campo semântico, o
processo se dá inversamente, a criança parte de um complexo significativo, para
o domínio de unidades semânticas separadas, o significado das palavras passando
a dividir seu pensamento, anteriormente indiferenciado, nessas unidades.
Outro aspecto observado em
relação aos dois planos da fala, é o de haver uma interdependência entre
aspectos semânticos e gramaticais da linguagem. A gramática estaria por trás da
palavra, e a emissão verbal mais simples seria na verdade, não uma
correspondência rígida entre som e significado, mas sim, um processo.
As expressões verbais se
desenvolvem gradualmente, e o processo de transição do significado para o som é
complexo. Inicialmente, a criança utiliza as palavras sem consciência da
distinção entre formas verbais e significados. Com o desenvolvimento, a criança
começa a diferenciar os planos semântico e vocal.
Para
Vygotsky, portanto, a direção do desenvolvimento do pensamento não é do
individual para o social, mas do social para o individual. A fala egocêntrica é
então uma etapa intermediária, elo genético altamente relevante, anterior ao
desenvolvimento da fala interna, que se processa por uma acumulação lenta de mudanças
funcionais e estruturais da fala externa, e da diferenciação das funções social
e egocêntrica da fala. Por essa ocasião, as estruturas da fala da criança se
tornam estruturas básicas de seu pensamento. Ocorre então um salto, mudando a
natureza da fala e do intelecto, que passa da esfera do biológico para o
sociocultural. Vygotsky considera, portanto, que o pensamento verbal não é uma
forma de comportamento inato, mas sim algo determinado por um processo
histórico-cultural.
Texto:
Valéria da Hora Bessa
Fragmento
do Livro: Teorias da Aprendizagem
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